Hoje, o dinheiro é criado através de dívida no momento em que os bancos comerciais tomam empréstimos de bancos centrais e quando governos, produtores e consumidores tomam empréstimos de bancos comerciais. Assim, a oferta de moeda da economia só pode ser mantida se os agentes econômicos, públicos ou privados, contraírem dívidas. O crescimento econômico requer um aumento proporcional na oferta de dinheiro, a fim de evitar a deflação que paralisaria os negócios, porém, um aumento na quantidade de dinheiro envolve um aumento simultâneo na dívida. Dessa forma, os agentes econômicos incorrem em risco de endividamento excessivo e falência. Não é necessário dizer que um endividamento excessivo, no contexto da atual crise financeira, causa sérios problemas às sociedades e aos indivíduos. No início, era uma crise da dívida dos proprietários de imóveis privados nos EUA e, em seguida, transformou-se em uma crise da dívida dos bancos comerciais e seguradoras, até ser absorvida pelos tesouros nacionais e assim transformar-se em uma crise de dívida pública. Reduções na despesa nacional necessárias para quitar a dívida pública muitas vezes levam à insatisfação social e são injustas, porque impõem encargos a cidadãos que não se beneficiaram igualmente com a criação da dívida.
2. A oferta de dinheiro está sob controle privado.
Apenas uma pequena fração do dinheiro circulante foi criada pelos bancos centrais. Bancos centrais emitem moedas e notas que na maioria dos países representam apenas entre 5% e 15% da oferta de moeda. O resto é criado pelos bancos comerciais de forma eletrônica nas contas correntes pela concessão de crédito a clientes ou pela compra de títulos e bens. Na verdade, todo o dinheiro, seja em espécie ou conta corrente, é posto em circulação por bancos comerciais. Assim, os bancos comerciais de fato controlam a oferta de moeda. Os bancos comerciais assumem, principalmente, o risco de crédito dos empréstimos que concedem, o que deveria levá-los a examinar cuidadosamente a credibilidade dos seus clientes. No entanto, os bancos comerciais decidem quais clientes terão acesso a empréstimos e quais investimentos serão feitos de acordo com seu interesse em maximizar seus próprios lucros. Um investimento ser socialmente desejável definitivamente não é o critério decisivo para bancos comerciais. Desta forma, os investimentos que visem o bem comum, mas não sejam rentáveis o suficiente, não serão apoiados pelo sistema bancário e terão de ser financiados pelo governo, que depende de receitas fiscais e criação de dívida pública. Em vez de financiar investimentos de longo prazo voltados ao interesse da sociedade como um todo, os bancos comerciais com suas concessionárias de crédito promovem a especulação financeira de curto prazo e, ao longo das duas últimas décadas, conseguiram, de fato, estabelecer um gigantesco cassino global além de qualquer controle público.
3. Depósitos bancários não são seguros.
Depósitos bancários são dinheiro em conta corrente, o que, em contraste com o dinheiro em espécie, não é moeda legal, embora seja tratado como se fosse. Dinheiro em conta corrente é um substituto para o dinheiro, apenas uma promessa do banco de desembolsar o valor correspondente em dinheiro, em moeda corrente, se solicitado pelo cliente. No atual sistema bancário de reservas fracionárias, normalmente, apenas uma proporção muito pequena de dinheiro em conta está sustentada por moeda legal. Os bancos mantêm apenas uma pequena percentagem dos seus depósitos na forma de dinheiro em espécie e de reservas no banco central. Essa é a razão pela qual os bancos dependem da confiança de seus clientes. No caso de uma corrida aos bancos, quando muitos clientes efetuam saques ao mesmo tempo, eles ficariam sem dinheiro e tal falta de liquidez poderia levar à falência súbita. Assim, os sistemas de seguro de depósito foram estabelecidos para evitar a perda de depósitos bancários. No entanto, em caso de reações em cadeia e falências de grande escala, como em 2008, a ajuda do governo aos bancos comerciais pode ser necessária, eventualmente com a ajuda do banco central como fiador de última instância.
4. A oferta de moeda é pró-cíclica.
Os bancos comerciais concedem empréstimos através da criação de dinheiro em conta corrente, a fim de maximizar as suas receitas de juros. Quanto mais dinheiro eles emitem, maior o lucro - desde que os devedores sejam capazes de pagar. Em tempos de crescimento econômico, os bancos concedem mais empréstimos, a fim de lucrar com o "boom", enquanto que em tempos de recessão econômica a concessão de crédito é muito restritiva, de forma a reduzir seus riscos. Essa é a forma pela qual os bancos comerciais induzem uma excessiva oferta de dinheiro em tempos de prosperidade e uma sub-oferta em tempos de recessão, amplificando os ciclos de negócios, bem como as flutuações do mercado financeiro, e criando bolhas de ativos no setor imobiliário e em commodities, que podem causar grandes danos à sociedade e ao próprio sistema bancário quando estourarem. Mais uma vez, a crise bancária provocada pelas hipotecas, em 2008, desencadeada após a explosão da bolha imobiliária nos EUA, é o exemplo mais ilustrativo.
5. A oferta de moeda estimula a inflação.
Além de seu caráter pró-cíclico em curto prazo, no longo prazo a criação de dinheiro pelos bancos comerciais induz uma excessiva oferta de dinheiro que leva à inflação de preços ao consumidor, bem como à inflação dos preços dos ativos. Há um excesso de dinheiro quando o aumento da quantidade de dinheiro em circulação excede o crescimento da produção de bens e serviços. O excesso na oferta de dinheiro, em longo prazo, resulta não só da tradicional concessão de crédito para governos, corporações e indivíduos, mas também das especulações financeiras alavancadas pelo crédito dos fundos de retorno absoluto e dos bancos de investimento. Devido à inflação, os consumidores geralmente enfrentam uma perda anual de poder de compra, o que significa que eles têm de aumentar sua renda nominal, de modo a manter o seu nível de consumo. Já que a capacidade de compensar a perda de poder de compra com aumento na renda nominal varia entre os indivíduos, a inflação provoca uma redistribuição do poder de compra em detrimento daqueles indivíduos que não estão em posição de defender de forma eficaz os seus próprios interesses.
6. O privilégio de criar dinheiro é um subsídio ao setor bancário.
Se o dinheiro é dívida, ele acarreta juros. Logo, todo o dinheiro em circulação também acarreta juros, e praticamente ninguém pode escapar desse pagamento. Os juros são pagos primeiramente pelos clientes que tomam empréstimos de bancos comerciais e que, dessa forma, garantem a oferta de moeda. Em segundo lugar, todos que pagam impostos e compram bens e serviços fazem uma contribuição ao pagamento de juros do credor original, pois os impostos são recolhidos, em parte, para financiar o pagamento de juros da dívida pública. Além disso, corporações e indivíduos que fornecem bens e serviços devem incluir os custos dos empréstimos em seus preços. Dessa forma, usando o dinheiro, a sociedade paga um enorme subsídio aos bancos comerciais, embora os bancos repassem uma parte dessa quantia aos seus clientes na forma de pagamento de juros sobre os depósitos realizados. Os juros são um subsídio aos bancos porque o dinheiro em conta corrente criado por eles é tratado como moeda legal. A magnitude do subsídio que a sociedade paga aos bancos se reflete na desproporcionalidade dos salários e promoções dos banqueiros, bem como na desproporcionalidade do próprio setor bancário.
7. O dinheiro como dívida pressiona o crescimento.
Dinheiro criado como dívida carrega juros e, assim, pressiona de forma redobrada por crescimento no sistema monetário e na economia real. Quando os clientes pagam seus empréstimos aos bancos comerciais, os bancos abatem o montante devolvido e a quantidade de dinheiro em circulação diminui de forma correspondente. No entanto, os devedores precisam de mais dinheiro do que o quanto tomaram emprestado, pois também têm que pagar juros sobre seus empréstimos. Mesmo que os devedores façam novos empréstimos, eles precisam de uma renda adicional para pagar os juros e, portanto, devem obter lucros. Os negócios em geral não podem ser rentáveis a menos que a quantidade de dinheiro aumente continuamente. Isto nos leva à dinâmica de crescimento, que é uma característica essencial do nosso sistema econômico. O aumento na quantidade de dinheiro com juros exerce uma pressão monetária por crescimento na economia real e o crescimento da economia real exerce simultaneamente uma pressão anti-deflacionária por crescimento na oferta de moeda. Como consequência dessa pressão bidirecional, nossa economia é uma espécie de esquema Ponzi [tipo de esquema financeiro em pirâmide], uma vez que não pode funcionar adequadamente sem crescimento contínuo e, portanto, entra periodicamente em crises. Além disso, o crescimento da economia real, que é em grande parte forçado pelo sistema monetário, envolve uma exploração excessiva dos recursos naturais e é um obstáculo para o desenvolvimento sustentável. Endividamento financeiro leva consequentemente ao endividamento ecológico frente à natureza, o que empobrece a humanidade. Nosso atual sistema monetário é simplesmente incompatível com um mundo finito.
8. Juros promovem concentração de riqueza.
Os juros são comumente vistos como um custo advindo do uso do dinheiro de alguém. Não só os clientes que fazem empréstimos de bancos, mas também os bancos que mantêm depósitos de clientes, pagam juros. Quando os bancos comerciais criam dinheiro através da concessão de empréstimos, eles creditam nas contas dos clientes, expandindo assim o total de depósitos bancários. Uma vez que as contas geralmente acarretam juros, os bancos gastam uma parte de suas receitas de juros no pagamento de juros aos detentores de depósitos. Mas depósitos bancários e empréstimos não são igualmente distribuídos entre os clientes. Alguns têm principalmente empréstimos que acarretam o pagamento de juros, enquanto outros têm sobretudo depósitos que rendem juros. Como, em geral, as pessoas mais pobres têm mais empréstimos do que depósitos e as pessoas mais ricas têm mais depósitos do que empréstimos, o pagamento de juros é, em sua totalidade, uma transferência de dinheiro do pobre para o rico, especialmente para o super-rico. Juros, portanto, promovem concentração de riqueza. Essa concentração de riqueza favorece em grande medida os bancos comerciais que, por um lado, fazem investimentos próprios e, por outro lado, lucram com o resultado da considerável diferença entre juros a pagar e juros a receber. Além disso, juros são acrescidos regularmente, anualmente na maioria das vezes, ao investimento inicial e, portanto, passam a ser juros compostos, gerando um crescimento exponencial de ativos monetários. Mas ativos monetários não crescem em valor por si mesmos, uma vez que não são, em si mesmos, produtivos. Os ativos monetários só podem ser acrescidos com juros
quando houver trabalho humano envolvido; e o trabalho humano está sob permanente pressão monetária para que aumente sua produtividade e reduza seus custos, de modo a satisfazer as demandas de crescimento exponencial dos juros compostos. Juros são, portanto, uma transferência de valor que favorece investimentos de capital em detrimento dos rendimentos do trabalho.
9. O sistema monetário é instável.
Há uma evidência empírica clara mostrando que o sistema monetário sofre de instabilidade estrutural por causa dos mecanismos acima descritos. A crise financeira iniciada em 2008, e ainda em andamento, se não piorando, não é um fenômeno único.Nas últimas décadas, numerosas crises relacionadas com o sistema monetário ocorreram em todo o mundo. Entre 1970 e 2010, um total de 425 crises financeiras que afetaram os Estados-membros do Fundo Monetário Internacional foram registradas oficialmente: 145 crises bancárias, 208 colapsos monetários e 72 crises de dívida pública (ver: Lietaer, Bernard et al. Dinheiro e Sustentabilidade. The Missing Link. Axminster: Triarchy Press, 2012). A multiplicidade de crises financeiras e seu efeito contagioso em diferentes economias nacionais demonstram claramente um caráter sistêmico estrutural. O atual sistema monetário inevitavelmente induz crises nas finanças e, consequentemente, na economia real.
10. O sistema monetário viola valores éticos.
Um valor ético é algo que é visto como valioso do ponto de vista geral, após cuidadosa análise. Valores éticos encarnam os valores mais racionais e mais importantes da sociedade. Logo, a sociedade está mal arranjada se os seus valores monetários estão em um conflito indissolúvel com seus valores éticos e esses valores éticos são permanentemente suprimidos por causa dos valores monetários. Uma vez que o sistema monetário molda grande parte da economia e a economia constitui de modo geral a sociedade, os valores éticos que não contribuem para a rentabilidade do capital são sistematicamente negligenciados na elaboração das políticas. Dessa forma, nosso atual sistema monetário viola valores éticos como a estabilidade, a justiça e a sustentabilidade - valores que são essenciais para uma sociedade habitável. Um sistema monetário que viole esses valores não é nada razoável e deveria ser reformado o quanto antes."
FONTE: Movimento Zeitgeist Brasil
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