quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ensaios sobre as greves.

Com o aumento das greves no Brasil, assim como o da solidariedade a elas, não importa se você é rico ou pobre, já ouviu de alguém: “Deveriam é privatizar, demitir tudo e recontratar! Se não querem trabalhar, tem quem queira!”

Obviamente, com muitos desses nem vale gastar tempo com debate, afinal estão apenas regurgitando a versão resumida do pensamento venenoso espalhado pela grande imprensa de direita, sem ao menos refletirem um pouco a respeito. Para quem costuma falar isso, na verdade existe um pensamento bem mais simples por trás do argumento pseudo-intelectualóide, que é simplesmente um “Quero meus serviços de volta, estou cagando se é um robô ou uma pessoa que faz, se ela tem família ou condições de sustentá-la.” Pela pobreza de argumentos, vamos ignorar estes casos, e pensar um pouco mais na natureza das greves.

Qual o real pensamento por trás dessa idéia de “Privatizar e demitir” ?

Para isso é preciso entender um pouco mais do pensamento econômico ortodoxo (às vezes aparentemente ingênuo):

De acordo com a economia Clássica, toda produção encontra consumidores.

Tudo é uma questão de preço, os problemas são de oferta, não de demanda. Ou seja, quando produtos não conseguem ser vendidos, não é porque o mercado está saturado deles, mas porque não foi estabelecido o preço correto. Se carros não estão sendo vendidos, basta baixar o preço corretamente para que passem a ser. Não tem nada a ver com necessidade.

Por causa disso, surge a idéia ainda mais ingênua de que o mercado opera sempre em pleno emprego. Isso quer dizer que há sempre trabalho disponível para todos, mas não quer dizer que não haja desemprego. Para o economista ortodoxo, o desemprego acontece por dois motivos, cada um deles com dois culpados diferentes:

O primeiro, é quando o trabalhador (racional 100% do tempo, em todas as escolhas) opta pelo ócio ao invés de optar pelo trabalho, por considerar o custo benefício do emprego oferecido, muito baixo. Dessa maneira, cabe a ele sair e procurar um trabalho de caiba em suas exigências, tanto em condições quanto em salário. É como se fosse uma idéia de competição invertida, onde as empresas é que competem pelo funcionário: Quem oferecer os melhores salários e condições, terá gente querendo trabalhar com ela.

Ou seja, a culpa do desemprego é do trabalhador. É ele quem não quer aceitar o trabalho pelos preços estabelecidos. Se ele aceitar, sempre haverá emprego.

E o segundo, é pela intervenção do estado: Quando há a formação de sindicatos, estabelecem condições de trabalho acima do que o mercado pode oferecer, estabelecem salários mínimos, isso força o mercado a oferecer menos empregos.

Colocando aqui como culpado o estado, que ao tentar estabelecer condições mais humanas de trabalho, interfere nessas “lei naturais” do livre-mercado e causam desequilíbrio.

Em resumo, uma das bases do pensamento econômico tradicional é essa idéia de que há trabalho para todo mundo!

Quando é demonstrado que não há empregos o suficiente, esse tipo de lógica acaba caindo por terra. E não é preciso se esforçar muito, está na nossa cara: Com o desenvolvimento tecnológico, o desemprego é epidêmico.

Uma vez que o número de empregos é limitado, a posição de competição se inverte. As empresas é quem podem ditar os salário que quiserem, e são os trabalhadores é quem vão ter que competir entre eles para diminuir suas exigências cada vez menos, e quem aceitar menores condições e menores salários, é quem vai continuar empregado.

Façamos um breve exercício mental de como seria o sonho molhado neoliberal: Um mundo só de empresas privadas, sem regulação de estado.

Porém, vamos inserir as condições de escasses de empregos, que são uma realidade.

Quando as condições de trabalho e salários tornam-se inadmissíveis, as greves surgem, as empresas demitem, e recontraram quem aceitar menores condições e salários.

Passam cinco anos, greves surgem e a resposta é a mesma: Demissão e recontratação.

Passam dez, vinte anos, e a maneira de lidar com isso é a mesma.

Conseguem perceber que ao longo das décadas, as condições de trabalho e salários permanecem estagnados (quando não pioram), até chegar ao ponto que as médias de salário estariam abaixo das necessidades humanas? Não fica claro que após algum tempo, as empresas estariam pagando o quando quisessem enquanto as pessoas teriam que se virar mesmo que o salário não garantisse sustento? Não explica muito do como o mundo é hoje?

Nesse contexto, as greves surgem para evitar que ao longo da história, o trabalho não se degrade qua condições sub-humanas. Conseguem enxergar a importância?

Sem greves, não há salário mínimo, não há normas de segurança no trabalho, não há férias, décimo-terceiro e nem aposentadorias. O que é muito legal se você for um capitalista (pois sempre terá serviços baratos disponíveis), mas péssimo se você for um trabalhador.

Mais do que isso, tendo esse pensamento em mente fica mais claro também que o diálogo das greves NÃO É entre o trabalhador e o governo. É entre o trabalhador e as empresas. O governo só acaba espremido nessa história, porque deveria representar o trabalhador e não o faz.

O grevista na verdade está falando pro governo falar com as empresas. E as empresas, nada bobas e donas dos meios de comunicação, transformam o governo em laranja, em bode expiatório.

Por fim, por enquanto as paralisações são um dos poucos instrumentos de diálogo que restaram, e é bastante sensato apoiar as manifestações recorrentes até que o lado “certo” ceder.

Todos ganham por isso, pelo menos como solução temporária no mundo como ele está agora.

Vale lembrar porém, que se a única maneira de assegurar a vida de uma pessoa é através do trabalho, e não há trabalho para todos, então é preciso arranjar uma outra forma de garantir a vida das pessoas, que não seja através do trabalho. Que vá para além do trabalho e do mérito.

FONTE: Desajustado

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