terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ensaios sobre a Corrupção



Ah, a corrupção. Quando ouvimos esta palavra, imediatamente nos vem à cabeça a imagem de um político enfiando dinheiro na cueca. Mas é só isso mesmo?

Corrupção é QUALQUER atitude que cause a deterioração total ou parcial do do sistema, e quando pensamos nesses termos, começamos a enxergar que a mesma está em todo lugar.

Por que corrupção causa degeneração do sistema?

Como sociedade, temos um grupo de regras estabelecidas e aceitas por uma maioria.
Quem joga nas regras, pode ser mal recompensado, ou bem recompensado se jogar bem.
Não jogar nas regras é passível de punição.

O corrupto entra na história como um oportunista, o cara que conhece as regras, porém utiliza ferramentas não aprovadas socialmente pra conseguir a sua recompensa. Note que existe esforço e risco, só não é considerado válido pelas maiorias. Um cara que planeja um assalto teve um enorme trabalho, assim como um político que elabora um esquema.

A degradação do sistema se dá pelo fato dessas ações recompensarem de maneira desmedida em relação às recompensas dadas aos que jogam por dentro das regras.

Não é que o corrupto se esforça menos, porém a sua infração deprecia o mérito individual de TODOS ao seu redor. Tira o valor do esforço de cada um.

Determinamos uma certa forma de avaliação para quantificar o mérito de cara jogador, geralmente representado através de “Fichas” (tokens). Obter essas fichas por fora da avaliação desorganiza o jogo inteiro, como se o corrupto fosse um parasita de esforço.

Isso torna-se mais fácil ainda quando essas fichas são anônimas e transferíveis.

Imagine que aconteça um assalto bem na frente da sua loja. A seguir, o bandido entra e quer comprar alguma coisa. Você aceitaria esse dinheiro? Muitos não, por ser fácil enxergar aí a origem corrupta desses tokens.

Porém a aceitação muda quando os crimes acontecem longe dos olhos, como por exemplo quando recebemos uma pequena renda em nossa poupança, vinda das dívidas de famílias miseráveis sendo exploradas por golpes de empréstimos impagáveis. Lavamos as mãos nesses casos.

Quais são as regras do jogo?

Em nossa sociedade, o que consideramos mérito não é a bondade, o autruísmo ou as boas intenções. Por mais bonitos que sejam esses valores, estes não são funcionais num mundo repleto de escasses. Já dizia o ditado que uma mão trabalhando vale mais que vinte mãos rezando. E é isso que medimos. Valorizamos as pessoas que contribuem com a sociedade através do trabalho.

Todos que fornecem à sociedade algum tipo de produto ou serviço, recebem “fichas” que representam e quantificam a contribuição do indivíduo. Para isso serve o nosso velho conhecido, o dinheiro.

Mais difícil de notar, é que a partir do momento da definição das regras, tudo o que cai pra fora desse gargalo torna-se automaticamente corrupção.

Nessa hora, a teoria econômica ortodoxa tem muito a falar sobre, apesar de nem sempre definir com clareza os pontos.

É definido que para o bom funcionamento do sistema, as trocas de “fichas” devem acontecer voluntariamente por ambas as partes, o comprador e o vendedor do produto/serviço. Qualquer coisa fora disso ou é corrupção ou é manipulação.

A corrupção de fato:

Pra enxergamos a corrupção, vamos usar um exemplo simplificado, para depois expandir para um modelo mais complexo.

Nessa caso, o velho Banco Imobiliário cai como uma luva. Tem um conjunto de regras definidas as quais todos participantes concordam, e tem fichas que quando acumuladas, servem de indicador do desempenho de cada um. Ah sim, e não tem estado pra interferir também, estaremos operando num modelo teoricamente, de livre-mercado.

Corrupção “Negativa”: Considero essas as mais fáceis de enxergar. Esse tipo é gritado pela mídia 24 horas por dia.

O espertinho (O assaltante) – Quando ninguém está olhando, Pedrinho passa a mão na grana dos outros. Ele ganhar ou não, depende das oportunidades que aparecem dele roubar, porém uma coisa é certa: O perdedor absoluto nunca vai ser ele.

O dono da Bola (O banqueiro internacional) – Juquinha é o dono do Banco Imobiliário. Se ele perder, vai ficar putinho, levantar e ir embora com o jogo inteiro, impedindo todos de brincar. Toda vez que ele começa a perder, todo mundo empresta um pouquinho pra ele. Ao contrário de Pedrinho, Juquinha ganha SEMPRE. A mesma coisa acontece com os bancos internacionais, que ameaçam quebrar a economia toda vez que não recebem pacotes de ajuda bilionários.

O Bully (O ditador estadista) – Muito simples. Sidão veio jogar com a gente, e devido à sua grande estatura, todos sabem que depois do jogo ele arrebenta na porrada todos que ganharem dele. Depois das primeiras partidas, ele não precisa mais bater em ninguém, mas “coincidentemente”, ele sempre ganha. Exceto se você tiver um primo maior que ele. Vide Oriente Médio, e todos países que são amiguinhos dos EUA.

A corrupção “Positiva”: Essa é mais difícil de enxergar, e quando diz-se positiva, não é que seja boa. É apenas socialmente aprovada, ignorada, ou até mesmo acidental!

O influente - Rafael não joga muito bem, mas é um cara muito legal. Empresta os brinquedos pra todo mundo, não é regulado. Vira e mexe, dão uma colher de chá pra ele. Não é sempre que ele ganha, mas nunca é o grande perdedor.

O herdeiro - Dessa vez, o jogo aconteceu em familia. Papai estava debulhando todo mundo, porém tinha que ir dormir cedo pra trabalhar no dia seguinte. Entregou toda a grana pra Joãozinho, que apesar de jogar mal pra caramba, obviamente ganhou de todo mundo no lugar de seu pai, só teve de dar “golpe de misericórdia.”

O fofoqueiro - Talita sabe os podres de todo mundo. O pode ter certeza que se ela não ganhar, alguma coisa vai vazar sobre quem estiver no caminho.

O político - Rafael tem uma lábia do caramba. Um especialista em prometer e enrrolar, só que é muito difícil enxergar isso, porque o jogo sempre termina antes dele ter de pagar tudo o que deve. “Se o jogo não tivesse terminado, eu teria pago” diria ele.

A avassaladora - Karen é uma gatinha, todos babam por ela. Com cada pequena bajulação e/ou colher de chá que dão pra ela, seu patrimônio aumenta e eventualmente ela ganha. O engraçado é que ela nem precisa fazer nada em favor disso, simplesmente nasceu bonitinha.

Os monopolistas - Luíz e Robson são melhores amigos, como carne e unha. Sempre que entram na jogo juntos, é um dos dois que ganham. Usam diversos códigos que só os dois entendem, e planejam as jogadas por debaixo dos panos. É como uma pessoa só jogando com duas posições de jogador, fica fácil ganhar assim.

Notem que nenhuma das “armas” utilizadas por esses fortes candidatos a ganhar o jogo, independente de serem negativas ou positivas, os fazem de fato melhores jogadores, no quesito “habilidade” no próprio jogo. De fato, em alguns casos eles mal precisam saber jogar direito. São mais aptos a ganhar, mas não em função de suas habilidades no jogo. São maus jogadores!

Aos nossos colegas Anarcocapitalistas e Liberais de Plantão: Percebam também que toda forma de corrupção “positiva” isso não tem absolutamente nada a ver com estado, ou a utilização do mesmo. As vantagens acumuladas ali serão exorbitantes, injustas, causarão danos ao funcionamento da sociedade, e um detalhe: Discretamente dentro das regras. Não há o uso de violência física ou intimidação.

Agora, um pequeno exercício de pensamento: Imaginem uma familia e/ou grupo tornando-se especialista em formas discretas de corrupção “positiva”. Eventualmente, tornarão-se imbatíveis de tão poderosas, e poderão ditar as regras do jogo. O próprio fato do Liberalismo não fazer vista grossa à acumulação de poder privado, é o que faz surgir o estado dentro de uma sociedade teoricamente livre.

Existe ainda um último exemplo que deixei por último, que torna o nosso modelo socioeconômico extremamente BIZARRO:

O coração mole - Bruno apesar de gostar de jogar, simplesmente não possui a brutalidade que o jogo exige. Não consegue ficar indiferente à tristeza de seus colegas que estão quase perdendo, e acaba a ajudá-los. Sua natureza gentil não permite, e isso faz com que ele nuncaganhe.

Porém Bruno mal sabe o mal que está fazendo à sociedade. Seus atos gentis, sua empatia faz com que os indivíduos mais inaptos continuem no jogo, quando deveriam sair. Ao ajudar os outros, preserva maus jogadores, não deixando essa simplória forma de “seleção natural” agir. Ou seja, num sistema altamente competitivo, empatia torna-se uma forma de corrupção. Mesmo que você não faça questão de ganhar, o bom funcionamento das regras exige dos jogadores um grau mínimo de brutalidade.

Quem ganha o jogo?

Estranhamente, o sociopata. Aquele indivíduo que nunca sente nada por ninguém, não tem sensibilidade ou habilidade social nenhuma, seria o ganhador desse jogo. Não porque é um bom jogador, mas porque sua falta de tato o torna imune à muitas das formas de corrupção “positiva”. Nunca vai gostar da menina, e nunca vai cair na ladainha dos outros não porque resistiu a elas, mas porque sua biologia falha não permite entendê-las.

E por fim, imaginem os efeitos a longo prazo. Pensem em um mundo onde as pessoas mais gentis e de coração mole são punidas e extintas, enquanto os sobreviventes são os sociopatas.

Para os que defendem um mundo governado pelo “livre-mercado” e pelas “democracias de mercado”, provavelmente esse é um cenário de mundo ideal, de humanos desumanos.

Conclusão


Não podemos afirmar também que colocar um estado controlando tudo resolveria toda a situação. É tão nocivo quanto. O problema está no sistema monetário em sí, o qual exige competição infinita, independente da presença de estado ou não. E com competição brutal crescendo ao infinito, corrupção torna-se o modus operandi do jogo, onde famosas “trocas com as duas partes concordando” representam na verdade uma parcela muito pequena das operações.

A maior parte dos seres humanos toma decisões constantemente sob a influência de hormônios, de feromônios, são afetados por emoções, medo, impulso. São manipulados pelo ambiente e coagidos pelos sentimentos. Acreditar que ninguém é manipulável, suscetível a coerção e pensar que todas as trocas ocorrendo são com os dois lados concordando sim, é que é utopia.

“Um homem vai ao consultório, e diz:

– Doutor, meu irmão pensa que é uma galinha!

– Dê esse remédio, e em duas semanas ele estará curado. – Diz o doutor.

– Não, doutor, você não entende. Estamos precisando dos ovos.”

Você é corrupto, eu sou corrupto, somos acidentalmente corruptos pelo simples fato de sermos humanos.

Corrompemos quando nos importamos.

Corrupção é o próprio sistema, e se ele só funciona quando seus participantes não se comportam como seres humanos, então é o sistema errado a se utilizar.

Fonte: Desajustado

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